terça-feira, 5 de maio de 2015

Podem encontrar-me na tranquilidade dos meus gestos mas por dentro das mãos  trarei sempre a brandura do restolho e essa saudade que só se encontra plasmada nos dedos das ceifeiras; podem ver as minhas mãos de cor alva e toque seda mas dentro delas tenho outras, secas e gretadas pelo sol que queima como se Agosto fosse. E nos olhos, nos olhos trarei sempre as lonjuras dos poentes rubros onde rebenta a onda da seara em movimento. No fado que trauteio nas madrugadas solitárias há ainda um canto-chão e a minha boca saciada tem saudades do sabor da água que nascia  do ventre do cântaro de barro tão usado. E nos cabelos soltos trarei sempre a sombra da papoila que morria à fome dos trigais prostrada entre os caracóis do meu cabelo. Podem encontrar-me noutra terra, noutro espaço mas tenho um coração de trigo e uma alma caiada de ternura pelas mãos das mulheres que trago a correr nas minhas veias. E aos domingos o sino da igreja aqui ao lado leva-me de volta à dança do rebanho, tilintada e lenta, de volta ao aconchego do redil.

Olivia Santos

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