Por vezes vives na raiz das minhas lágrimas. Vives. No estuário escuro onde me nascem rios salgados
que de tão aprisionados pelas margens sabem-se sem
esperança de alcançar os sete mares. Sobes-me ou desces-me as colinas e
danças-me inevitavelmente na retina. Inevitável e lento, trémulo e periclitante
na lágrima retida; trémula, ali, a lágrima por cair, ali de onde o mundo se
reflecte pardo e desfocado. Vês como eu, o mundo desfocado e pardo, num porvir
absurdo que nos falece antes que seja. Por vezes fazes pequenas ondas no lago
dos meus olhos e tremulas ao vento a bandeira da revolta: queres que eu seja
tempestade, que tudo apague, que tudo lave, que tudo; mas a lágrima, mareada e
sombria, grita e força a grade para rolar livremente pela face. Evito a queda,
porque não quero que roles com ela até ao chão e te sujes no sangue que escorre
dos meus pés. As caminhadas foram sempre longas e os caminhos pródigos em
gumes. Soubesse eu que as lágrimas corriam só em direcção à boca, soubesse eu
que as lágrimas em que me habitas corriam sempre em direcção à boca; soubesse
eu e soltava-as nessa liberdade de sal aquoso; deixava-te entrar de novo em
mim. E de novo, de novo, sempre de novo, deixava que voltasses a ser líquido,
quente e terno, recolhido, na raiz das minhas lágrimas.
Olívia Santos
Boa noite minha querida amiga, Olívia Santos.
ResponderExcluir"E de novo, de novo, sempre de novo", mais um magnífico texto, com raízes de amor, com lágrimas. Como se todos os rios do mundo lhe nascessem no olhar e lavassem todas as mágoas do coração e os desacertos do mundo.
Muito belo!
Um grande beijo.
Há uma ideia de circularidade sugerida pela repetição do fragmento "de novo", indicativo de que nenhuma lágrima é, só por si, nascente ou foz. Apenas água que, incansável na sua interminável viagem, se refaz, pura, a cada novo ciclo.
ResponderExcluirGosto deste "poetar"
Um beijo